Separando o joio do trigo

Por Dr. José Barreto dos Santos/Zeca



Prezados Docentes...

Quero através deste pequeno texto, tecer uma proposta crítica, para juntos refletirmos, onde e como separar o “joio do trigo”, com o propósito de consubstanciarmos a construção de um lugar autônomo e democrático, utilizando o símbolo do “joio”, designado na ciência Botânica como as plantas do gênero Lolium, da família das gramíneas, cujas espécies são conhecidas pelos frutos infestados por fungos, que prejudicam as plantações. Assim, o “joio” pode prejudicar ou corromper aqueles que o cercam de acordo com o Dicionário UOL - Online de Português.

É nesta perspectiva que convido, para navegarmos pela história, procurando dialeticamente entendermos, primeiramente que o “joio sem o trigo”, um não existiria sem outro. Daí a necessidade para construção de um ou do outro passar necessariamente pelo que entendemos como o processo de produção da existência humana, porque o ser humano vai se modificando e, alterando aquilo que é necessário à sua sobrevivência. Logo, cada interação implica uma natureza modificada, refletindo também o homem modificado. É nesse processo que o ser humano vai adquirindo consciência de que está se apropriando de algo socialmente importante para seu ambiente de trabalho.

Nessa trilha entendemos que a essência do ser humano é o trabalho e, como tal é produzido pelos próprios humanos; afirma o professor Dermeval Saviani (Unicamp): “

essência do homem é um feito humano. É um trabalho [...]: é um processo histórico”. 


Ainda de acordo com Saviani, fundamentamos que: “é, portanto, na existência efetiva dos homens, nas contradições de seu movimento real, e não numa essência externa a essa existência, que se descobre o que homem é: tal e como os indivíduos manifestam sua vida, assim são. [...]”.  

Conclui-se que as contradições foram forjadas historicamente no processo de produção da existência humana. De acordo com a professora Maria Amália P. A. Andery (PUC/SP), “na base de todas as relações humanas, determinando e condicionando a vida, está o trabalho”. Categoricamente, podemos concluir que é da base do processo produtivo que emanam as contradições históricas, que envolvem sua forma de organizar, implicando uma dada maneira de dividir o trabalho necessário a sociedade, determinando também a relação entre os seres humanos.

Diante do enunciado, é pertinente afirmar que a consolidação da sociedade capitalista foi forjada pelas contradições engendradas, sobretudo na apropriação do produto do trabalho humano, sedimentando a divisão do trabalho, deixando patente a divisão dos seres humanos em classes.

Seguindo a linha do tempo, entendemos que, pelo crescimento da produção combinado com o avanço do nível técnico, mais a propriedade dos instrumentos, sobretudo apropriação do produto do trabalho humano, consolidou-se então duas classes fundamentais, os proprietários e os não proprietários.

Para os fins didáticos, funda-se também, uma educação dividida em classes. Isso posto, cabe ressaltar seus efeitos para a compreensão ontológica do ser humano; em suma, consolida-se de fato a separação entre a educação e o trabalho. Diante dessa realidade, afirma o professor Saviani: ‘[...] Introduz-se, assim, uma cisão na unidade da educação, antes identificada plenamente com o próprio processo de trabalho. [...]”.


Pode-se concluir que, o ser humano não tem mais sua existência garantida pela natureza; contraditoriamente o seu trabalho foi apropriado com o advento da propriedade privada, o que tornou possível à classe dos proprietários, viver do trabalho alheio. 

Partindo desse cenário, torna-se evidente a importância da história, como fundamento para entendermos que a divisão do trabalho foi sendo processada ao longo do tempo. Para isso, a educação de modo geral coincide exatamente com a construção da sua dupla identidade. Ou seja, uma educação voltada para o processo do trabalho e uma outra para o trabalho intelectual.

Neste contexto social em que nós nos situamos, no movimento histórico da Universidade Pública Brasileira e da sociedade capitalista, lugar em que nós nos deparamos com os efeitos mais perversos, que é a falta da compreensão da natureza humana, relativos fundamentalmente ao trabalho docente, o que implica afirmar que, em cada nova proposta política de organização pedagógica, o que vale dizer, como afirma o professor Pedro Alcântara, “[...] que o antigo homem não consegue mais reproduzir o seu antigo modo de ser. Surge, então, um novo homem [...]”. 

Entender a natureza humana é a condição “sine qua non” para buscarmos o entendimento do outro. Caso contrário, reforçamos a estrutura advinda da outra classe, legado herdado pelo processo de produção, historicamente constituído pelo modelo engendrado pela mão de obra escrava, onde a exclusão passa ser naturalizada por todos e, o aviltamento de uns enaltece a meritocracia de outros, engessado pela divisão social do trabalho, concomitantemente, reforçando a visão do docente especialista, criando em si, a ilusão de um gestor capacitado para interagir com seus colaboradores e, sobretudo, ser um gestor democrático, que estimula, ensina, ajuda, decide e delega.

Desse modo, consolida-se a gestão moderna, na difusão desse novo modelo humano genérico, tal qual como define o escritor, professor e consultor administrativo, Peter Ferdinand Drucker (1909-2005), a nova “gestão de empreendedores”, alienando o indivíduo para que seja empreendedor por si mesmo e dele mesmo, essa é grande inflexão que resulta na total barbárie humana, na decomposição da educação e do trabalho, dito de outra forma, a dissociação “o joio do trigo”.”

Neste contexto, que os efeitos sentidos pela globalização somados a pandemia provocada pela COVID-19, forjaram o espírito de empreendimento se espalhar em todos os setores da economia, sobretudo nas universidades públicas, fazendo dos fenômenos solucionáveis dentro do “espírito da gestão”, segregando ainda mais, dimensão política da dimensão humana, onde os instrumentos se convergem no anseio de atingir as metas, focando nos objetivos e resultados, coisificando assim, o ser humano.

Nessa trilha que devemos fundamentar nossa crítica na perspectiva histórica, no entendimento do processo de produção da existência humana, como um processo social, para compreendermos o envolvimento de nossos pares na hierarquia institucional e, como os mesmos se apoderam dos discursos alienantes e anacrônicos da lógica perversa do capitalismo, contribuindo para reprodução da organização do trabalho didático dominante, a nova razão do mundo.

Desse modo, evidencia-se que o ser humano perde o sentido do que está ao seu entorno, aspectos ontológico-históricos que dão sentido à vida, condição fundamental para entendermos trabalho e educação como categorias especificamente humanas, visto que o olhar para a “História”, como afirma o Professor Gilberto Luiz Alves, “ainda é o melhor caminho para a compreensão da sociedade, para que o ser humano compreenda não só a si mesmo, mas a dinâmica do todo social”. 


Pensemos nisso...     


                                                                          


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